Ano lectivo 2013/2014

Este curso inicia-se num período de intensa renovação do nosso Direito do Trabalho. (Maria da Conceição Tavares da Silva, Direito do Trabalho, Vol. I, Lisboa, Instituto de Estudos Sociais, Vol. I, 1964-1965, p. 10)

terça-feira, 25 de março de 2014

O não cumprimento e a cessação do contrato de trabalho (vi): procedimento disciplinar por faltas injustificadas (prisão preventiva) (III)



Configura uma situação de "abuso do direito" o despedimento do trabalhador com fundamento em faltas injustificadas, por ter estado preso, quando a entidade patronal permaneceu indiferente durante cerca de três anos e meio (29-9-2003 a 26-2-2007) à situação de ausência do trabalhador e só reagiu disciplinarmente quando o mesmo pretendeu voltar a trabalhar.



I- As faltas dadas pelo autor no âmbito da prisão preventiva, e porque devidamente comunicadas, devem ser consideradas justificadas.

II- Com efeito, as faltas dadas pelo autor em prisão preventiva não lhe podem ser imputadas e como tal devem ser consideradas justificadas e a condenação posterior do autor em pena suspensa não pode relevar para efeitos do despedimento em causa dado que tal condenação foi posterior à instauração do processo disciplinar, com o envio da nota de culpa.



I - As faltas dadas ao serviço, em número superior a cinco, por motivo de prisão preventiva do trabalhador, em consequência de acusação de crime de homicídio qualificado abuso de confiança e simulação de crime, crime por que veio a ser condenado e que leva a imputar-lhe a responsabilidade de tal prisão, são consideradas como injustificadas, por procederem de comportamento gravemente censurável, constituindo, por isso, justa causa de despedimento.

II – Nada impede que o processo disciplinar seja instaurado antes de haver decisão penal condenatória, transitada em julgado.

III – Admitir o contrário redundaria numa inversão de valores a ter em consideração numa relação laboral normal e adequada aos interesses do empregador e à generalidade dos trabalhadores ao seu serviço uma vez que quando a entidade patronal pudesse mover o processo disciplinar ela já estaria fora de prazo para tal.



III - A eventual inexistência de faltas injustificadas suficientes para a justa causa de despedimento, ou a não assunção das faltas de gravidade que possa pôr em causa a subsistência da relação laboral, configura erro de julgamento e não nulidade de sentença.

IV - Os posicionamentos entre a formulação de um juízo de censura pelo cometimento de factos que configuram ilícitos criminais e aqueloutro juízo de censura pela violação do dever de assiduidade do trabalhador devem ser diversos: neste último, podem relevar outros factores e intenções que, devendo ser tomadas em linha de conta para a sua formulação, podem não suportar o juízo de censura criminal.

V - O que releva, para aferir da gravidade das faltas injustificadas, motivadas pelo facto de o trabalhador se encontrar sujeito à medida de coação de prisão preventiva, é saber se ele, ao prosseguir uma dada conduta, que, eventualmente, foi motivadora daquela medida, «desconsiderou» a circunstância da plausibilidade de uma das consequências da sua actuação ser a da privação da sua liberdade, com a inevitável impossibilidade de prestar o seu serviço à entidade patronal.

VI - Por isso, e uma vez que da mera «materialidade» da não comparência do trabalhador ao serviço durante o tempo que a lei exemplificativamente aponta no sentido de constituir justa causa de despedimento, não decorre, desde logo, e sem mais, a sanção disciplinar mais grave, o trabalhador poderá, quer na resposta à nota de culpa, quer na acção de impugnação do despedimento, aduzir razões e factualidade que sejam demonstrativas, quer que, ao prosseguir determinado comportamento, não houve a mínima «desconsideração» da previsibilidade de não poder vir a prestar trabalho à entidade patronal, quer que não efectuou tal prossecução, quer, ainda, que o assumido comportamento, em face das circunstâncias em que ocorreu, não era de molde a poder acarretar as faltas dadas ao serviço, designadamente as resultantes do cumprimento da medida de coacção de prisão preventiva a que foi sujeito, e isso sem que tal possa minimamente implicar a aceitação da possibilidade de se pretender, naquelas sedes de resposta ou de impugnação, infirmar, por si, o juízo judicial que levou ao decretamento da prisão preventiva.

VII - Não tendo o trabalhador, nem na resposta à nota de culpa, nem na impugnação do despedimento, alegado e provado qualquer facto ou circunstância com idoneidade para convencer de que não podia e/ou não estava obrigado a prever que lhe fossem imputados comportamentos de gravidade tal que, sendo passíveis de fundamentar a aplicação da medida de prisão preventiva, determinariam a impossibilidade de comparecer ao serviço, a mera invocação da presunção da inocência não tem a virtualidade para impedir a formulação de um juízo de culpa reportado, não directamente a comportamentos criminalmente censuráveis, mas, sim, à "desconsideração" da previsibilidade da imputação dos mesmos.

VIII - O princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tendo a sua projecção plena no âmbito do apuramento da responsabilidade criminal, a efectuar em procedimento que se caracteriza por não ser um processo de partes e do qual está afastada a imposição ao arguido de qualquer ónus probatório, não vigora, com o mesmo alcance, em processos sancionatórios emergentes do incumprimento de deveres inseridos em relações jurídicas de carácter obrigacional, relativamente aos quais, a lei fundamental (n.º 10 do referido artigo 32.º) apenas exige que sejam assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa.

IX - Assim, verificadas as ausências ao serviço, sobre o trabalhador, demandante na acção de impugnação de despedimento, recai o ónus de alegar e provar que tais ausências não procederam de culpa sua.

X - Não tendo assim procedido, face ao referido nas proposições anteriores, devem considerar-se não justificadas as faltas do Autor ao trabalho, no período de 11 de Dezembro de 2002 a 9 de Janeiro de 2003, por motivo de, nesse período, se encontrar sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

XI - As referidas faltas, face ao elevado número, e considerando que o Autor desempenhava as funções de subgerente numa agência do Banco Réu, e que, por isso, assumiram reflexos na organização e funcionamento do Banco, constituem justa causa de despedimento.

XII - Tendo o despedimento ocorrido com justa causa, não sendo, por isso, ilícita, a conduta do Banco Réu, não se verifica um pressuposto fundamental da obrigação de indemnizar o Autor por danos não patrimoniais: o facto ilícito, consubstanciado na violação culposa de um dever contratual (art. 798.º do CC).


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